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A Visão Winnicottiana das Depressões Simples ou Reativas

  • Foto do escritor: Teca Mendonça
    Teca Mendonça
  • 27 de abr. de 2020
  • 15 min de leitura

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Introdução

Winnicott olha para a questão da psicopatologia de uma forma diferente de Freud. Embora também distinga as patologias a partir de defesas psíquicas diferenciadas, ele aponta para a diferença entre patologias que surgem em função de um ambiente que não consegue ser suficientemente bom das que se constituem como falhas da personalidade, que são falhas de natureza instintual.


Ele procura estabelecer um elo entre as doenças mentais e os estágios do desenvolvimento emocional, onde a saúde é vista como maturidade emocional do indivíduo como pessoa. Assim, é preciso observar os pontos de origem ao longo do processo de desenvolvimento para entender onde é que ele parou, foi interrompido. Em Natureza Humana, ao falar sobre a saúde psíquica Winnicott diz que :


“ De forma semelhante [à saúde física] a saúde da psique deve ser avaliada em termos de crescimento emocional, consistindo numa questão de maturidade. O ser humano saudável é emocionalmente maduro tendo em vista sua idade no momento. A maturidade envolve gradualmente o ser humano numa responsabilidade para com o ambiente.” [W18, p.30]

Winnicott considera que doenças mentais são padrões de conciliação entre êxito e fracasso no estado do desenvolvimento emocional do indivíduo. Deste modo saúde é maturidade emocional, de acordo com a idade; e doença mental é uma detenção da mesma. A tendência no sentido do amadurecimento persiste e é esta que provê o impulso no sentido da cura, e da autocura se não há auxílio disponível. Assim, distúrbios mentais não são doenças; são conciliações entre a imaturidade do indivíduo e reações sociais reais, tanto apoiadoras quanto retaliadoras. O quadro clínico da pessoa mentalmente doente varia de acordo com a atitude ambiental, mesmo quando a doença no paciente permanece fundamentalmente inalterada. Winnicott chama a atenção para o fato da psique poder estar doente, estar deformada, por falhas no desenvolvimento, mesmo que haja uma base cerebral saudável para o seu funcionamento.


Em “Os doentes mentais na prática clínica” (1963c; p.196) ele propõe uma classificação psiquiátrica das doenças mentais com 3 grandes grupos:


1. Doenças do cérebro com a doença mental consequente;

2. Doenças do corpo afetando atitudes mentais;

3. Doenças mentais propriamente ditas, que não dependem de doenças cerebrais ou físicas, o que inclui dois grandes subgrupos: neuroses e psicoses.


Winnicott considera a neurose essencialmente um distúrbio a partir de um conflito interno dentro de um self integrado, personalizado e relacionado com objetos. Para ele as dificuldades começam a surgir no interior das relações interpessoais dentro da vida familiar no momento em que já existem 3 pessoas totais, uma vez que os estágios anteriores do amadurecimento emocional ocorreram dentro dos limites normais.


Já a Psicose refere-se aos estados de doença ligados a um estágio anterior da evolução, antes que a criança se tornasse uma pessoa total. A sua importância está mais ligada à falha das defesas organizadas na tentativa de alcançar a força do ego ou integração da personalidade que possibilita a formação de defesas. A psicose pode ser vista como doença que tem mais a ver com as experiências nas fases mais precoces, antes das tensões ligadas às relações interpessoais.

Na classificação winnicottiana, a depressão situa-se entre a neurose e a esquizofrenia, sendo que com cada uma das patologias parte de um ponto de origem diferente. Ocorrem todos os tipos de superposição, mas Winnicott não concorda em rotular distúrbios como se fossem doenças. No presente trabalho vamos concentrar nossa atenção no caso da depressão, especificamente da depressão simples ou reativa, mas para chegar a ela passaremos por algumas considerações sobre o seu ponto de origem na época do concernimento.



A depressão para Winnicott

A depressão pode chegar a ser severa e incapacitante e durar a vida inteira, mas nos indivíduos relativamente saudáveis é um estado de humor passageiro, um fenômeno comum e quase universal, se relaciona com o luto, com a capacidade de sentir culpa e com o processo de maturação.


Winnicott considerava a depressão como sendo parte do processo de amadurecimento que costuma ocorrer no estágio da dependência relativa, mais precisamente na etapa do concernimento. A capacidade de deprimir-se, de apresentar uma mudança de humor reativa, é alcançada pela criança sadia na época em que está pronta para o desmame, momento em que a ela começa a perceber a existência de uma realidade externa diferente do mundo interior. No início o bebê tem muita dificuldade em distinguir entre as intenções e o que de fato acontece, incluindo as funções esperadas da mãe – ser amada e aceitar ser atacada nos momentos de tensão instintiva da criança. Aqui o bebê começa a perceber que a mãe dos momentos tranquilos e a mãe usada, e até atacada, nos momentos mais intensos da excitação infantil é a mesma. Nesse momento é fundamental que a mãe consiga sobreviver aos ataques da criança que precisa descarregar a tensão instintiva. É só a partir da repetição ao longo do tempo dessa experiência que o bebê começa a reconhecer a diferença entre fatos e fantasias, entre realidade interna e externa. Isto permite que a mãe passe a ser vista como uma pessoa inteira e não mais como uma extensão da criança, alguém que cuida do EU, permitindo uma integração entre a forma tranquila de relacionamento e a forma excitada, além do reconhecimento de que ambos os estados constituem uma relação total com a mãe-pessoa.


Entretanto, é importante enfatizar que a construção do mundo interno através de inúmeras experiências instintivas teve início bem antes - nos primeiros meses, quando o bebê ainda não se percebe separado da mãe. Para se chegar ao estágio do Eu Sou é preciso que já exista uma noção de tempo, uma percepção da diferença entre fato e fantasia e, sobretudo, uma integração do indivíduo.


Como Winnicott coloca em Natureza Humana, estamos diante de uma luta do bebê para lidar com o peso da culpa e do medo resultantes do reconhecimento de que as idéias agressivas contidas no amor instintivo primitivo e implacável estão dirigidas à mesma mãe da relação da dependência em um momento onde a criança ainda não pode contar com o apoio do pai interventor que a ajudaria a suportar o peso das idéias instintivas com mais segurança. Trata-se de um período em que ela começa a aprender a fazer reparações, mas precisa de uma mãe que sustente a situação no tempo para que possa haver uma organização das conseqüências imaginativas da experiência instintiva. Isto acontece depois que o novo ser humano atingiu o status de unidade. O desenvolvimento posterior à obtenção deste status depende da simplicidade estável e confiável do ambiente. No caso de ocorrer alguma falha, a conseqüência é a depressão.


Para Winnicott a depressão é um conceito amplo, que abarca diversos níveis que vão desde um processo normal de amadurecimento até a patologia. Sua manifestação mais grave é a depressão psicótica. Nos casos patológicos temos um distúrbio da afetividade que traz dentro de si o germe da recuperação. A pessoa deprimida tem consciência de se sentir horrível e também está excessivamente consciente de seu próprio corpo e das dores que sente. Ela sofre, é capaz de se auto-inflingir machucados ou tentar suicídio, podendo ocorrer acidentes psiquiátricos. No processo depressivo, o ódio fica trancado em algum lugar do mundo interno, e a dificuldade parece estar ligada à sua aceitação, mesmo que o humor depressivo implique que o ódio está sob controle. Dentre os tipos de depressão podemos falar de depressão reativa, foco do nosso trabalho.

Depressões simples ou reativas – seu aparecimento na linha do amadurecimento

A depressão reativa pertence ao lado não-patológico das manifestações depressivas, que implicam na maturidade do indivíduo e em um grau de integração do self. É um transtorno psicossomático e, neste caso, o indivíduo se apresenta como alguém cuja história pregressa mostra uma integração da personalidade capaz de tolerar a carga depressiva enquanto certo tipo de conflito está sendo resolvido. Os fenômenos internos criam problemas que levam a criança ou adulto a tentar bloquear o seu mundo interno, diminuindo seu ritmo e sua vitalidade. De um modo simplificado, esta é uma tarefa pessoal do indivíduo ao acomodar sua agressão e seus impulsos destrutivos.


É nesse estágio, que Winnicott chama de concernimento, que a criança consolida conquistas anteriores e forma uma base para prosseguir amadurecimento, o que implica também em aceitar a própria agressividade. Quando observamos a criança pequena, precisamos entender que ela necessita ter a chance de dar para diminuir o sentimento de culpa derivado das experiências instintivas. Isto é expresso através do brincar construtivo, que requer inicialmente a presença da pessoa amada. É importante que o adulto aceite a posição de receber e não fique só dando.


A culpa só surge se o ambiente não der sustentação, lembrando que tais transformações precisam de tempo. A grande tarefa é integrar impulsos amorosos e agressivos que ocorre quando a criança percebe que a pessoa que ataca é a mesma que ela ama. O mais importante é o ambiente conseguir não se sentir agredido, para ajudar a criança na integração de amor e ódio, recebendo de volta o gesto de reparação como um pedido de desculpas. Quando os primeiros estágios do desenvolvimento emocional não são cumpridos de modo satisfatório, o indivíduo é incapaz de chegar a sentir-se deprimido e surge um sentimento de preocupação.


Como lembra Elsa Dias:


“[...] Enquanto se dá o processo de objetivação da realidade, a mãe suficientemente boa poupará a criança de mudanças externas. Assim protegida, ela estará livre para brincar de modo a experimentar tudo o que se encontra em sua realidade psíquica pessoal, tanto a destrutividade como o amor; ela sonhará e, nos sonhos, haverá destruição e assassinato, e esta atividade onírica, que é acompanhada de algum grau de excitação corpórea, será uma experiência concreta e não apenas um exercício intelectual. A destrutividade tem, portanto, um valor positivo, que é o fato paradoxal de estar relacionada à criação da externalidade do mundo.”(Dias 2003, p.252)

Este é o círculo benigno da fase do concernimento. Se isto não ocorrer, pode se instalar a depressão – neurótica ou psicótica. Aqui a predominância é a relação mãe-bebê. É preciso alcançar a reparação pela sobrevivência do objeto. Isto leva a resgatar algo sentido como bom, permitindo com isto reparar imaginativamente o dano causado pela mãe. Gradualmente o bebê passa a acreditar na possibilidade construtiva. Este “círculo benigno” só é completado por volta dos cinco anos e inclui os seguintes passos:

. desenvolver o si-mesmo pessoal,

· concernimento e reparação,

· constituir o Eu Sou,

· integrar a destrutividade e reconhecer culpa,

· estabelecer a ambivalência, a percepção de ter um bom e um ruim, um gostar e um não gostar


Quando o círculo benigno é rompido, o instinto (capacidade de amar) tem que ser inibido, permitindo que a dissociação entre o estado excitado e o tranqüilo do bebê reapareça, provocando a perda do sentimento de tranqüilidade, e da capacidade de brincar e trabalhar construtivamente. O processo desfaz-se, trazendo um empobrecimento geral da personalidade e uma perda da capacidade de sentir culpa.


Outro ponto de apoio fundamental é a presença de um pai forte e interventor, capaz de proteger a mãe dos ataques infantis em seus momentos de amor excitado, permitindo que a criança lide com idéias e ações instintuais de forma mais segura. Sem esta presença forte a criança terá que adotar um autocontrole dos impulsos de forma precoce, quando ainda não tem condições para tal. Este pode ser o ponto de partida para uma depressão ou para uma das formas da tendência anti-social.


No caso da depressão reativa associada ao luto, podemos observar, na sua essência, que o indivíduo está assumindo a responsabilidade pelos elementos agressivos e destrutivos da natureza humana, o que significa conter em si certa quantidade de culpa, abrindo caminho para a realização de atividades construtivas. O luto faz parte da resolução de uma perda, onde a pessoa sente-se responsável pela morte de alguém em função das idéias destrutivas que naturalmente acompanham o amar. Aqui, a diferença entre depressão e luto, é que na primeira há um grau maior de regressão e o processo se efetua em um nível mais inconsciente.


Entretanto há muitas coisas que permanecem inconscientes e a depressão, como estado de espírito, reflete este fato. Nos casos em que agressão e destrutividade foram alcançadas no desenvolvimento pessoal, mas depois foram profundamente reprimidase, tornaram-se inacessíveis, e, como conseqüência, surge a melancolia onde o agente maligno se manifesta no sentimento de culpa que permanece inconsciente e que só emerge ao final de um longo tratamento. Retomar o processo de amadurecimento implica em recuperar o sentimento de culpa e para tanto é necessário restabelecer-se a situação sustentada por uma mãe suficientemente boa ou por um analista, no caso de um tratamento psicanalítico.


Em O Valor da Depressão, Winnicott faz uma comparação entre a depressão e a presença de um nevoeiro:


“Nesse diagrama, um nevoeiro sobre a cidade – caso haja nevoeiros por lá – representa o humor deprimido. Tudo está lento e mantido em estado de inércia. Esse estado de inércia relativa controla tudo e, no caso dos indivíduos humanos, barra os instintos e a capacidade de se relacionar com objetos externos. Gradualmente, o nevoeiro fica menos denso e em certos locais começa mesmo a desaparecer. E então pode haver fenômenos surpreendentes que ajudam, como uma fresta no muro de Berlim na época do Natal. O humor deprimido diminui de intensidade, e a vida se inicia outra vez, aqui e ali, onde há menos tensões. (W14, p.64)

Winnicott comenta que onde há depressão há também saúde. A depressão tende a curar a si mesma, mas é desejável uma pequena ajuda externa para ajudar a afastá-la. Entretanto, existe uma condição, que é aceitar a depressão sem ânsia de cura. É uma questão do “rearranjo dos elementos internos bons e maus, a estruturação de uma guerra” (ibid, p.64). O importante nesses casos é verificar se a estrutura do ego é capaz de suportar uma fase de crise. Quando o processo é bem sucedido, há um triunfo da integração após uma reavaliação interna das experiências de destrutividade. A tarefa é afetiva, ou seja, implica em lidar com a agressividade e integrar amor e ódio como já foi dito anteriormente.


Como já foi dito, a elaboração do concernimento demanda a sobrevivência da mãe ao impulso instintual, dando tempo para a criança fazer reparação e aprender que é possível machucar e sarar. Isto libera o impulso, e mostra que se há buracos, é possível remendar, remendos pequenos que precisam ser reconhecidos como dádivas pela mãe. Ocorre uma boa resolução do “destrói e reconstrói”e com isto é possível ter uma depressão que se cura espontaneamente. Como bem coloca Elsa Dias:



“Sobreviver não é ficar indiferente ou imune ao que se passa; não significa permissividade. A criança sabe, agora, que está machucando ou ferindo quando está excitada; ela sabe e precisa que a mãe também saiba. Esta não finge que “não foi nada”; não se faz de mártir que suporta o ataque porque, afinal, esse é o seu lugar de mãe. Não. Se ela está viva, ela sente e se defende: sem tensão, sem temores acerca da natureza crueldo filho, sem reatualizar ali velhas histórias de violências sofridas. Sobreviver significa, portanto, que a mãe não desiste de exercer seu papel no processo de desilusão: ela suporta ser odiada”. (Dias, 2003, p.262) 

Quando a mãe não sobrevive ao ataque no momento inicial, ou seja, fica deprimida e sente-se sugada ao ver que um bebê a espolia, isto leva a criança a se ver diante de uma destruição ampliada, provocada pela mãe. Outro risco é que a mãe não compreenda a tentativa infantil de corrigir o ato voraz, não reconhecendo a reparação. Nesses casos a criança fica com a culpa, uma culpa patológica, um sentimento poderoso que destrói tudo e que leva à tentativa de colocar tudo sob controle para não estragar nada.


Existem casos em que a depressão infantil é apenas um reflexo da depressão da mãe. A criança usa a depressão da mãe para fugir da sua própria; isto faz com que surjam restituições e reparações falsas em relação à figura materna, o que prejudica o desenvolvimento da capacidade pessoal para restituir, pois nesse caso a restituição não se relaciona com os sentimentos de culpa pessoais da criança. Estamos aqui diante de casos mais graves de depressão, que fogem ao escopo deste trabalho.


Em “Psiconeuroses oculares na infância” (W6, p.148) Winnicott faz uma interessante observação sobre a questão ocular, observando que o esfregar de olhos de uma criança pode estar ligado a um sentimento de solidão ou depressão, algo semelhante a uma exploração da coceira que normalmente acompanha a sonolência da infância, e uma defesa natural da criança contra sentimentos intoleráveis. Winnicott associa o estrabismo ao ato de chupar dedo, que representa o seio ou a mamadeira que o bebê solitário ou ansioso precisa manter na boca ou ao lado. Da mesma forma, seria uma forma de retomar a mesma posição dos olhos que lhe permitia na primeira infância ver em detalhe o seio e rosto da mãe, a poucos centímetros da boca. A compulsão pode também se manifestar como uma compulsão por ler. Crianças podem ler muito de perto para não se sentirem perdidas e sem esperanças.


A clínica da depressão

Para a psicanálise, a depressão reativa pede um tratamento semelhante ao da neurose, com a diferença de que traz, na transferência, um relacionamento a dois, baseado no que originalmente era o lactente e a mãe e onde é fundamental que o psicanalista sobreviva no período em que as idéias destrutivas dominam o cenário. A origem dos elementos persecutórios que complicam a doença depressiva pode estar ligada ao sadismo oral e leva o paciente e o analista a abordar o que não foi aceito pelo indivíduo, e seus resultados, no conceito imaginário do paciente do que é self psicossomático. Um assistente social que acompanhe uma pessoa deprimida pode entender que a pessoa está fazendo terapia simplesmente para continuar vivo e pela sobrevivência.


O papel do terapeuta pode ser comparado com o de uma enfermeira da mente acompanhando e cuidando de um caso de depressão. Para se ajudar uma pessoa deprimida o mais adequado é poder tolerar a depressão até que ela acabe naturalmente, uma vez que apenas a recuperação espontânea pode ser satisfatória para o indivíduo. Existem condições que podem apressar ou retardar o desfecho. O mais importante a ser observado é o estado da economia interna – precária ou capaz de conter uma reserva de elementos benignos.


Aqui não cabe sorrir, fazer brincadeiras, oferecer alimentos ou mostrar que a vida é bela. O melhor é compreender que a pessoa deprimida vê a vida em cores cinzentas e o melhor que o terapeuta pode fazer é compreender e tolerar tal estado de espírito até que a depressão se dissipe naturalmente. Em “O valor da depressão” (W6) Winnicott coloca que para a pessoa deprimida tudo parece parado e morto. Quando oferecemos sorrisos, passamos por tolos.


Em “A posição depressiva no desenvolvimento emocional normal”, (1958a), Winnicott diz que na análise é possível observar o processo de restauração e reparação, quando a posição depressiva é alcançada na transferência. Isto pode se manifestar através de uma expressão de amor seguida de ansiedade a respeito do analista e também por receios hipocondríacos. Outra possibilidade é uma liberação do instinto, com um desenvolvimento do potencial da personalidade voltado para um viver social construtivo. Aparentemente após algum tempo o individuo será capaz de constituir memórias de experiências sentidas como boas, de modo que a experiência da mãe sustentando a situação torna-se parte do eu, é assimilada dentro do ego.


Winnicott considera que uma pessoa pode sair fortalecida, mais estável e mais sábia de uma depressão quando se compara com o seu estado inicial. O fator que diferencia é a capacidade de se libertar das “impurezas” que conduzem a características patológicas. O ódio naturalmente está trancado em algum lugar nisso tudo. Talvez a dificuldade esteja em aceitar tal ódio, mesmo que o humor depressivo implique que o ódio está sob controle.

Para fechar as considerações sobre a clínica gostaria de lembrar as palavras de Winnicott em “Psiconeuroses oculares da infância”(W6, p.148):


“Os médicos, aparentemente, sentem-se na obrigação de tratar e curar qualquer sintoma. Em psicologia, no entanto, isto equivale a uma cilada e a uma ilusão. É preciso observar o sintoma sem tentar curá-lo, porque todo sintoma tem o seu valor para o paciente, e muitas vezes é melhor deixar o paciente em paz com o seu sintoma [...] A fim de tratar um paciente de maneira eficaz, é preciso dispor-se a realizar um longo trabalho, ou ajudar a carregar um pesado fardo, sendo ilógico atacar o sintoma antes de termos reconhecido e trabalhado o conflito mental que a ele subjaz.”

Conclusão

Em seu trabalho clínico, Winnicott resgata um lugar para a depressão na psicopatologia como algo suscetível a diferentes graus de manifestação, e com diferentes pontos de origem. Para ele a depressão não é apenas um sintoma a ser combatido, mas sim uma manifestação que sinaliza o desenvolvimento que leva das relações subjetivas para aquelas ligadas a outras pessoas inteiras que integram o mundo externo e objetivo. Além disto, estamos em um momento do amadurecimento que antecede a rivalidade natural da fase do Édipo e que, de uma certa forma, prepara para lidar com o confronto, mas para isto precisa contar com a presença paterna como se fosse uma garantia de que pode liberar-se para a vida instintual sem riscos. Quando não existe tal suporte, aumenta o risco da inibição do amor excitado e abre-se o caminho para a depressão.


Por ser parte do processo de amadurecimento e poder estar ligada ao início do estágio do concernimento, a depressão implica na existência de uma pessoa que já atingiu a unidade, é capaz de se relacionar com pessoas inteiras, embora não consiga ainda conciliar os sentimentos de amor e ódio pela mesma pessoa. Winnicott fala de seus diferentes graus que vão de um sentimento de culpa normal em função da agressividade natural do ser humano até casos mais complexos. De qualquer forma, para o autor, a depressão traz dentro de si o germe da recuperação, mas é melhor que este processo ocorra no seu tempo, sem ser forçado a partir de uma expectativa vinda do mundo externo, embora haja a necessidade da presença e do suporte da figura materna que consegue sobreviver aos ataques da criança.


Para o tratamento da depressão, Winnicott enfatiza o papel do analista como alguém que pode trazer na transferência um relacionamento a dois, baseado na relação a dois entre lactente e mãe e também como a figura que pode assegurar a vivência do amor excitado, sem o temor de que algum aspecto da destrutividade escape do controle. Isto pode ser entendido como uma segunda chance de vivenciar e integrar os sentimentos ambivalentes envolvidos na descoberta das conseqüências da agressividade e que é capaz de sobreviver aos ataques, permitindo o ato de reparação e o tempo necessário para a aceitação da própria natureza humana. Tudo dentro do contexto de um processo natural de crescimento e amadurecimento da natureza humana. Como diz Elsa Dias ao falar das tarefas do adulto que consegue continuar amadurecendo e mantendo-se vivo até a morte

“Ter que encarar imperfeições do eu e do mundo, tal como são, acarreta, muitas vezes, fases de depressão. Mas quando não é mutiladora ou ligada a distúrbios psicóticos, a depressão é um estado de espírito próprio das pessoas verdadeiramente responsáveis, das que realmente têm valor. Elas se deprimem justamente porque são capazes de ver e aceitar a precariedade da condição humana e o fato de que o mundo jamais é tal qual o imaginamos; também por perceberem, claramente, que a sua capacidade de amar e de construir coexiste com o seu próprio ódio, maldade e destrutividade. Nestes termos, a depressão é inerente à vida e à maturidade. (Dias, 2003, p.295)


Referências bibliográficas:

Dias, Elsa O. “A teoria do amadurecimento de D.W.Winnicott”. Ed. Imago: Rio de Janeiro. 2003.

Winnicott, Donald W. 1988: Natureza humana - parte III. W18. Ed. Imago: Rio de Janeiro. 1990. ––– 1955c: “A posição depressiva no desenvolvimento emocional normal”, in Winnicott 1958a: Da pediatria à psicanálise. W6. Ed. Imago: Rio de Janeiro.

___ 1944: “Psiconeuroses oculares da infância”, in Winnicott 1958a: Da pediatria à psicanálise. W6. Ed. Imago: Rio de Janeiro.

___ 1945: “Desenvolvimento emocional primitivo”, in Winnicott 1958a: Da pediatria à psicanálise. W6. Ed. Imago: Rio de Janeiro.

___ 1954-5: “A posição depressiva no desenvolvimento emocional normal”, in Winnicott 1958a: Da pediatria à psicanálise. W6. Ed. Imago: Rio de Janeiro.

––– 1964e: “O valor da depressão” in Winnicott 1986b: Tudo começa em casa. W14. Ed. Imago: Rio de Janeiro. ––– 1963c: “Os doentes mentais na prática clínica”, in Winnicott 1965b: O ambiente e os processos de maturação. W9. Ed. Artmed: Porto Alegre. 1983.

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